O PERDÃO E SUA DINÂMICA E O AUTOGERENCIAMENTO VIVENCIAL
16 de maio de 2020Se não há culpa, para que perdão?
Na verdade, o perdão é pouco compreendido. Somos educados na crença de que perdoar é aceitar o desrespeito dos outros, em prol de uma recompensa maior vinda de Deus. E quando ele não acontece, infringem-se os códigos religiosos, morais e sociais. Estamos, por causa disso, sujeitos a ser condenados.
Desse modo, o perdão, tão valorizado nos círculos religiosos, tem como elemento motivador o sentimento de autocondenação, que fustiga não só a alma do agressor como a do agredido.
Na alma do agredido, brota o medo de ser condenado por não ter perdoado o agressor. Na do agressor, o medo de ser condenado por não ter pedido perdão ao agredido. No fundo, ambos estão tentando escapar de uma condenação vinda do Alto. Assim, a motivação do pedido de perdão e do perdoar é o medo de ser punido. Quanta grandiosidade!
Perdoar é construir, em nossas mentes, uma lógica cognitivo-vivencial ou psicológica capaz de superar as mágoas, os rancores, ressentimentos, decepções, culpas ou desejos de vingança, provenientes dos atritos e contrariedades experimentados no cotidiano. O perdão não é algo superficial, não acontece simplesmente no ato de pedir ou de dar perdão. Ele tem que nos libertar dos sentimentos ruins que sentimos pelo outro; de todo mal que uma determinada situação produziu em nós. Se não for assim, não fomos capazes de perdoar verdadeiramente. No máximo, ocorrerá uma acomodação dos nossos sentimentos, por mera conveniência ou necessidade O perdão que alguém nos pede não corrige o acontecido nem tira o sofrimento provocado. Na realidade, somos educados a entender o perdão sob dois pontos de vista: o perdão que o causador do mal pede à vítima e o perdão que a vítima dá a quem lhe faz algum mal.
Assim é feito. As vítimas perdoam para que os culpados se sintam aliviados, com a consciência tranquila, em paz consigo mesmos e com Deus. E as vítimas como ficam? Quem vai perdoá-las pelo que sofreram? Deus? Pensando bem, Deus nos deu o livre arbítrio; logo, quem decide sobre si é a própria pessoa, só ela pode se perdoar. Terá ela poder para perdoar o outro?
Se nos cabe apenas a responsabilidade dos nossos atos, é coerente pensar que só podemos perdoar nossos erros; os dos outros, não. Cada um é responsabilizado pelos próprios atos e atitudes. Portanto, cada um só tem a condição de perdoar a si mesmo.
Ninguém deve assumir o sofrimento causado pelo erro do outro. Isso é uma demonstração clara de falta de autoamor. Acorda!
Na visão ortodoxa do perdão, o que acontece é o seguinte: o outro comete atos de desrespeito contra alguém e o ofendido ainda tem de lhe perdoar, ainda tem que assumir a causa, a culpa, a dor, o sofrimento e dar-lhe o perdão. Diante disso, o ato de perdoar apresenta um aspecto a ser analisado. O ofendido tem que aceitar o ato injusto do outro contra si, bem como as consequências dele. É obrigado a “engolir” algo que não queria “engolir”, subtrair a culpa, a responsabilidade de quem o ofendeu para que o outro fique bem consigo mesmo.
E o ofendido como fica?
Cada um de nós é responsável por seus próprios atos. Ninguém tem o poder de perdoar o outro, somente o próprio perdoa a si mesmo, se assim o quiser. A responsabilidade do ato é do seu autor; de mais ninguém.
Se alguém aceita o ato injusto do outro contra si, não está, na realidade, perdoando o ofensor, mas se perdoando no momento em que supera o mal que lhe foi feito. Como se o próprio dissesse a si mesmo: “me perdoo, neste instante; porque já não me perturbo com o que o outro fez comigo.” Só a própria pessoa pode retirar o sentimento ruim do ato que sofreu ou que praticou através do “autoperdão”.
Seria tão bom se tivéssemos o poder de perdoar o outro, de tirar-lhe a culpa! O mundo seria uma maravilha e os terapeutas teriam uma única função: perdoar seus pacientes.
Na realidade, o perdão aos outros nadas mais é que um modo de dizermos a eles que já nos perdoamos, ao transcender o que fizeram conosco. Num ato de traição, por exemplo, o traído se perdoa se deixar de odiar o traidor, mas não lhe cabe o poder de perdoar a traição em si mesma. O ato de traição pertence ao traidor, é um problema dele, não do traído. Ao perdoar, o traído se perdoa pelo sofrimento que impingiu a si mesmo por um ato praticado pelo traidor. Isso nos conduz a um raciocínio de que não existe o perdão ao outro, mas apenas o “autoperdão”. Cada um de nós deve responder por si mesmo.
Quando alguém diz que perdoa, mas sem aceitar – sem “autoperdão” – o que o outro fez, é porque existem motivos pessoais para isso, como apego, dependência, insegurança, medo das consequências, autopiedade, culpa. Ou então, porque está em busca de reconhecimento da sociedade ou de Deus; enfim, de um valor que em si não reconhece. Vive com a dor e o sofrimento em prol de algo maior, talvez, do Reino dos Céus.
No fundo, no fundo, quando o perdão assim acontece, a concórdia não transcende, uma vez que a mágoa permanece. Logo, não houve o verdadeiro perdão. A pessoa apenas se ajustou a uma circunstância. Volta e meia as mágoas vêm à tona, com toda a dor e sofrimento, impedindo assim que a pessoa se sinta bem.
Para o perdão verdadeiramente acontecer dentro de nós, é preciso que haja condições para isso. Se não houver nenhuma mudança em nossa maneira de pensar, de sentir, de compreender, não será possível perdoar. O que foi feito está feito, a única solução é buscar novos significados que enriqueçam o nosso mundo interior.
Um perdão dado, sem a compreensão verdadeira de tal ato e sem as condições psicológicas adequadas, não nos libertará por completo dos efeitos de um mal que alguém tenha nos causado.
Para refletir. O pedido de perdão não corrige o acontecido nem tira o sofrimento que foi provocado. Por isso, seja responsável por suas atitudes e comportamentos, para não ter que pedi-lo.
Autor: Cláudio de Oliveira Lima – Psicólogo – Idealizador e Especialista do Autogerenciamento Vivencial (AGV) e desenvolvedor de uma Psicologia com uma visão Quântica.